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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

20 ANOS DA CONFERÊNCIA DE SALAMANCA: O PAPEL DAS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS NA CONSOLIDAÇÃO DO MOVIMENTO DE INCLUSÃO EDUCACIONAL BRASILEIRO
A Conferência Mundial de Educação para todos na Tailândia, ocorrida na cidade de Jontien em 1990, marcou a formalização da inclusão social como modelo de referência de enfrentamento das desigualdades sociais e a educação para todos como meio de alcançar essa inclusão. Ou seja, tratava-se de promover a inserção plena de todas as pessoas na escola: da pessoa com deficiência, e também do aluno pobre, negro, imigrante, pessoas com AIDS, sem família, homossexual, em situação de risco, nas escolas regulares, em todos os seus níveis, da educação infantil ao ensino superior. No que diz respeito à educação das pessoas com deficiência, o documento destaca, no seu artigo 3º, sobre a universalização do acesso à educação e promoção da equidade, artigo 5° (UNESCO, 1990, p. 04): 5. As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo. Um dos seus princípios básicos foi o de ratificar o que estava proposto na Declaração dos Direitos Humanos, qual seja: a promoção da educação como direito básico para todas as pessoas; a partir da satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Nesse sentido, a carta exortava os países signatários a adotarem políticas e práticas educacionais que garantissem as necessidades básicas de aprendizagem (conhecimentos e habilidades básicas: leitura e escrita, cálculo, solução de problemas e conhecimento básico para a participação social) e os conteúdos básicos de aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes). Ao analisar os princípios defendidos no documento, Bueno (2008) chama a atenção para o fato de que, ao priorizar as necessidades básicas de aprendizagem, a Conferência reconhece que as práticas educacionais de todo o mundo fracassaram e de que é preciso modificar políticas e práticas escolares sedimentadas na perspectiva da homogeneidade. Após 10 anos, em 2000, a Conferência de Dakar retomou e reafirmou os princípios aclamados em 1990 em Jontien. Os delegados presentes analisaram os avanços realizados na educação dos países signatários e constataram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que se alcance as metas definidas. A Conferência de Jontien lançou as bases para a inclusão educacional, que teve como marco a Declaração de Salamanca, proclamada em 1994, na Espanha. Esta Declaração definiu os princípios norteadores da inclusão social e educacional de todos, baseando nos seguintes princípios: aceitação das diferenças individuais, valorização da pessoa humana, convivência na diversidade, aprendizagem por meio da cooperação. Partindo da seguinte premissa básica: a “necessidade e urgência de ministrar o ensino para todas as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais dentro do sistema regular de educação” (UNESCO, 1994, p. viii), a Declaração de Salamanca defendeu o estabelecimento de políticas e práticas educacionais que permitissem a inclusão de uma maior diversidade de alunos na escola regular, considerando como população alvo as “(...) crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem na rua e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados” (UNESCO, 1994, p. 6). Além disso, consagrou a diferença como elemento norteador do processo de inclusão educacional, ao afirmar que “(...) todas as diferenças humanas são normais e que a aprendizagem, portanto, deve adaptar-se às necessidades de cada criança, e não a criança adaptar-se aos pressupostos determinados quanto ao ritmo e a natureza do processo educativo” (UNESCO, p. 6 e 7). Dentro da compreensão defendida pela Declaração, a criança com deficiência é apenas uma dentro do universo das crianças com necessidades educativas diferenciadas. O caráter inovador da Declaração residiu no fato de que a defesa da inserção escolar esteve diretamente associada ao aprimoramento dos sistemas de ensino, sem o qual fica comprometido o projeto de inclusão, que tem como princípio inclusivo fundamental o de que todas as crianças devem aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter: As escolas integradoras devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos, através de currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade. (UNESCO/MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIA – ESPANHA, 1994, p. 11/12). Podemos destacar neste texto dois dos aspectos que consideramos mais importantes: o primeiro diz respeito ao redimensionamento da compreensão do fenômeno da deficiência que progressivamente deixou de ser entendido como um fenômeno clínico expresso no modelo médico centrado em meios educativos segregados e segregadores, para o qual os alunos a serem atendidos constituem-se no grupo que enfrenta dificuldades de aprendizagem em função da sua própria deficiência. Prega-se a necessidade de compreender a deficiência desde a perspectiva educacional, a partir da qual deve-se buscar alternativas de acolhimento pedagógico para o enfrentamento da deficiência. O segundo aspecto, como consequência do anterior, refere-se à instalação e defesa da inclusão escolar. Esses dois aspectos orientaram no Brasil, principalmente a partir do final da década de 1980, a construção de propostas e de práticas que privilegiassem a convivência entre todos os alunos. Hoje não é possível falar de um projeto de educação brasileira e de inclusão educacional, que não inclua a heterogeneidade e a diversidade. Nesse sentido, os movimentos deflagrados nas últimas décadas do século passado surgiram como alternativas frente aos “tratos da diferença” vigente (VEIGA-NETO, 2005), expressando, por sua vez, concepções de diferença que justificam suas propostas de ação, refletindo as mudanças pelas quais passou a educação no sentido de trazer para a sua agenda a questão da diversidade. No que diz respeito aos profissionais que atuam na educação, e, particularmente, os professores, as novas demandas implicaram na necessidade de revisão e reorganização da sua formação, com vistas a um redimensionamento da prática pedagógica, requerida para atender a esta nova realidade, qual seja, o princípio da educação para todos. Sobre o processo de consolidação das ideias de inclusão educacional que caracterizou as últimas décadas do século XX e o início do século XXI, Barros (2010) constata que, se a década de 1990 pode ser caracterizada como um momento de esperança no que diz respeito à consolidação de práticas e políticas sociais pautadas na defesa dos direitos humanos, a primeira década deste século é marcada pelo recrudescimento e mesmo da regressão do direito. Porém, autores como Alves (2005) e Agamben (2002) chamam a atenção para o fato de que, em que pese a instalação de marcos legais como a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, em 1990, considerados emblemáticos para a construção de uma sociedade brasileira democrática, seria ingênuo pensar que todas as diferenças tenham desaparecido. O fenômeno da globalização, efetivado a partir da década de 1980, alterou drasticamente as relações entre países, interferindo efetivamente na realidade brasileira. A nova economia tornou-se hegemônica, revelando-se capaz de tudo rentabilizar, inclusive as atividades assistenciais. As ajudas internacionais, os programas de apoio aos excluídos, que antes eram quase que exclusivamente iniciativas pias ou do Estado, tornam-se investimentos estratégicos em termos econômicos. Conforme Soares (2003, p. 19): As políticas de ajuste fazem parte de um movimento de ajuste global, que se desenvolve num contexto de globalização financeira e produtiva, [...] caracteriza-se por um rearranjo da hierarquia das relações econômicas e políticas internacionais, feito sob a égide de uma doutrina neoliberal cosmopolita, gestada no centro financeiro e político do mundo capitalista. Neste contexto, inserem-se as lutas pela inclusão social e a efetivação do projeto de educação brasileira ancorado na perspectiva da inclusão, que também irão refletir também essa ambiguidade e contradição, na medida em que expressam um redimensionamento no trato com a diferença, traduzindo a defesa pela inclusão e pela não segregação através do histórico da luta e das conquistas de pessoas com deficiência e/ou ligadas ao movimento de inclusão, social e educacional, ao tempo em que trazem em seu bojo o caráter totalitário da sociedade neoliberal, para a qual o discurso da inclusão permite naturalizar as diferenças, não permitindo refletir sobre as desigualdades inerentes ao modelo de sociedade vigente. Assim, se por um lado, a defesa por um projeto de inclusão educacional deflagrou a possibilidade de visibilidade das condições das pessoas historicamente excluídas, inclusive as pessoas com deficiência, e de reorientação das práticas educacionais, por outro, tornou visível também as contradições presentes na execução deste mesmo projeto, quanto ao acolhimento da diferença. REFERÊNCIAS: AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: UFMG, 2002. ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2005. 254 p. BARROS, Carlos César. Fundamentos filosóficos e políticos da inclusão escolar: um estudo sobre a subjetividade docente. 1ª Ed. Curitiba: Honoris Causa, 2010. 267 p. BUENO, José Geraldo Silveira. As políticas de inclusão escolar: uma prerrogativa da educação especial? In: BUENO, José Geraldo Silveira, MENDES, Geovana Mendonça Lunardi e SANTOS, Roseli Albino dos. Deficiência e escolarização: novas perspectivas de análise, Araraquara, SP: Junqueira&Marins; Brasília, DF: CAPES, 2008. p. 43-63. SOARES, L. T. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São Paulo: Cortez, 2002. UNESCO. Declaracion de Salamanca y marco de accion para las necesidades educativas especiales, Salamanca-Espanha, 1994. Disponível em http://unesdoc. unesco.org/images/0009/000984/098427so.pdf Acesso em 23/04/2012. VEIGA-NETO, Alfredo. Quando a inclusão pode ser uma forma de exclusão In: MACHADO, Adriana Marcondes [et al.]. Psicologia e direitos humanos: educação inclusiva, direitos humanos na escola. – São Paulo: Casa do psicólogo : Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia, 2005 – (Psicologia e direitos humanos).

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